PERFIL
Filha da terra
Pioneira da agroecologia no país, Ana Primavesi ensina há mais de 60 anos que é possível aliar a produção de aliementos à conservação do meio ambiente
TEXTO JANICE KISS
Desde o início, ela manteve uma relação de intimidade com a terra. Talvez faça parte da herança da família de agricultores, no vilarejo de St.Georgen Ob Judenburg, no sul da Áustria. E foi na capital daquele país, Viena, que ela cursou Agronomia e casou-se com um colega de profissão. Mas a forte ligação com a natureza fez a agrônoma Ana Maria Primavesi ir na contramão das técnicas estabelecidas e procurar sempre se guiar pelos sinais que o solo oferece. Na sua forma de diagnosticá-lo, estão inclusas as práticas de cheirar a terra para saber se a matéria orgânica foi enterrada profundamente e sentir entre as mãos sua textura como indicativo do equilíbrio de nutrientes.
Por mais de 60 anos, a maior parte deles no Brasil, ela se aperfeiçoa numa agronomia que, no seu modo de ver, 'não compete com as leis da natureza'. A doutora Ana Primavesi que preferiu excluir o Maria de seu nome por uma recomendação da numerologia, pois 'não dava um número bom', é considerada uma das pioneiras da agroecologia no país, ciência que leva em conta o restabelecimento ou a conservação do solo permeável protegido por uma vegetação diversificada. Numa tradução simplificada, significa extrair dos recursos naturais as condições ideais para o desenvolvimento das lavouras.
Recomenda-se uma revisão de conceitos a quem se apressa em classificar essa forma de trabalho como alternativa. Essa senhora de 83 anos é responsável pela formação de três gerações de profissionais das ciências agrárias, cujo princípio básico é adequar a produção agrícola ao respeito de cada agroecossistema. Difícil de entender? Ana retoma sua própria história. 'Vivi uma época em que a agricultura química praticamente não existia', esclarece. Ela se refere à fazenda dos pais e de tantos outros camponeses que tocavam seus plantios antes da Revolução Verde, uma campanha iniciada nos Estados Unidos, durante a década de 60, que implantou a mecanização e o uso de defensivos nas plantações. O enfoque da Universidade Rural de Viena, onde se formou nos anos 40, era o mais próximo possível do que ela apregoa até hoje: garantir às gerações futuras o alimento e a conservação do meio ambiente.
No seu modo de entender, os métodos de cultivo da terra em 1945 eram mais avançados se comparados aos dos dias de hoje, porque os homens não tinham optado pela monocultura. 'O plantio único nos trouxe uma avalanche de doenças aplacadas por agrotóxicos', afirma. E Ana Primavesi aproveita para dar uma aula. 'O adubo químico é basicamente formado por três elementos e a planta necessita de 45', diz.
Suas comparações nem de longe evocam uma espécie de saudosismo. Ela as utiliza como dados valiosos nas palestras que costuma proferir, atendendo a convites, em países da América Latina e Europa. No ano passado foram quase 40.